Desejo da Imprensa Radical em Cancelar o Melhor Filme do Ano, Era Uma Vez Um Sonho, por ser um filme Conservador


No meio de “Anitta posa com maiô extremamente cavado e quase mostra demais” e “Mayra Cardi exibe boa forma no banho”, uma manchete me chamou a atenção: “Com Amy Adams e Gleen Close, Era Uma Vez Um Sonho é detonado na Netflix”.

Rapidamente abri a matéria e lá estava, entre outras críticas soltas, uma que, raramente, ou nunca se lê por aí: “A nova produção da Netflix já é vista como uma das maiores pisadas na bola da plataforma, e algumas publicações chamam o longa de ‘um dos piores filmes do ano’”, vaticinou o grupo da extrema-imprensa UOL/Folha. Isso, enquanto abria meu e-mail no BOL, que já possuo há mais de duas décadas, meu álibi por estar lá.

Desesperadamente, fui ao aplicativo da Netflix e cliquei para assistir ao filme, esperando elogios a políticas sociais de Trump e Bolsonaro, que desagradaram e revoltaram tanto o pessoal progressista. Porém, não foi isso que encontrei. Era Uma Vez Um Sonho é o melhor filme do ano e as melhores interpretações da carreira de Amy Adams (uma atriz espetacular, com uma filmografia perfeita) e da tarimbada Gleen Close. Sim, também contém elogios a políticas sociais defendidas por nomes, como Trump e Bolsonaro. Entenderam?

Vou tentar falar o menos possível sobre Era Uma Vez Um Sonho, para não interferir em suas análises. É um filme poderoso sobre políticas sociais acerca de drogas, modelos assistenciais, assistência médica, militarismo e educação. Já estão percebendo a trama? Não a do filme, mas da reação dos radicais do iluminismo, não é?

Ele é baseado no best-seller Hillbilly Elegy: a memoir of a family and culture in crisis (O Poema Triste do Caipira: memórias de uma família e cultura em crise, numa tradução livre), de J. D. Vance, autor e personagem central na história desde a infância até os primeiros anos como adulto. O enredo se passa na região de imigrantes, principalmente alemães católicos, chamada Appalachia, durante a desastrosa administração de Barack Obama (2009 – 2017). É uma região de valores fortes. Numa cena, o cineasta Ron Howard deixa isso bastante explícito, no cortejo fúnebre do avô, J. D. pergunta à avó por que por onde a comitiva passa, as pessoas param, descem do carro e ficam em silêncio em posição de respeito. Ela lhe diz: “Porque somos pessoas do interior, respeitamos nossos mortos”. Essa é a deixa para o forte subtítulo do livro, cultura em crise.

A película percorre um período da vida de J. D. Vance (Gabriel Basso adulto e Owen Asztalos criança), sua infância até sua ida à faculdade de Direito em Yale, destaca as dificuldades enfrentadas por sua família, formada por sua mãe solteira e drogada (Amy Adams), sua avó instável, mas durona (Gleen Close) e sua irmã complacente, Lindsay (Haley Bennett), na recessão econômica, que atingiu severamente o centro de produção do Meio Oeste industrial.

Ron Howard é da diretoria, como se diz; é da geração e amigo de Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Brian De Palma, Robert Zemeckis e George Lucas, integrantes do movimento New Hollywood, que importou o cinema europeu, principalmente o francês, quando musicais, filmes conservadores e religiosos começaram a cair em desgosto entre os bilionários dos estúdios. No início do filme, Ron parece asseverar: “[...] e mesmo que zombem de nossas crenças, tenhamos fé não apenas em Deus, mas em nós mesmos e em nosso caráter. Em nossa capacidade de ascender, de voar, ainda que o voo esteja demorando gerações, a ponto de abalar nossa fé. Que essa fé nunca desapareça”.

Em minha opinião, Poema Triste do Caipira, permitam-me, mas adorei esse titulo do livro renegado da adaptação cinematográfica. É uma obra-prima, uma ópera; é a tradução viva da ária La Mamma Morta, o 3° ato da maravilhosa Andrea Chénier de Umberto Giordano de 1896, que morreu queimada pelos vândalos da revolução francesa. A filha, salva pela morte da mãe, que tentava protegê-la, vaga pela destruição, fome e miséria e ouve uma voz consoladora e harmoniosa: “Você ainda vive. Eu sou vida. Nos meus olhos e no seu céu. Você não está sozinha. Eu recolho suas lágrimas. Eu estou no seu caminho e sou seu apoio. Sorria e espere! Eu sou o Amor! Tudo a seu redor é sangue e lama. Eu sou divino! Eu trago esquecimento. Eu sou o Deus do mundo. Eu desci do Empíreo, fazendo da terra um paraíso! Ah! Eu sou amor, eu sou amor, o Amor”.

Que esses maravilhosos versos do século XIX de Giordano ressoem nas letras de J.D. Vance e nas imagens de Ron Howard para também imortalizar essa obra. Amém.

Crítica publicada originalmente no Jornal Vera Cruz.

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