Identificação de uma Mulher

Identificazione di una Donna – Michelangelo Antonioni – 1982 (DVD)

Se vê um quadro? Ou seria uma parede? A primeira imagem da película é uma incógnita a primeira vista. E antes mesmo de respirarmos, já somos colocados para pensar pelo mestre. Seria uma brincadeira? Uma pegadinha? Não acredito. Antonioni pensa alto. Ouvimos um barulho. Passa algo pela imagem. Opa, sim, estamos vendo a cena de cima, do alto, e olhávamos o chão do hall de entrada do prédio do diretor Niccolò (Thomas Milian).

Sensacional essa introdução do filme. Errado. Michelangelo Antonioni acabou de nos dar o veredicto de sua película, e que pode se aplicar a toda sua biografia.

Antonioni me deixa a impressão de ser um criador de frames, mas não tão óbvio quanto à frase parece. Ele cria tutoriais, na falta de palavra melhor, em forma de frame, cada imagem tem pelo menos dois significados, ou mais. Vamos pegar o exemplo da cena descrita acima, rapidamente podemos dizer que o cineasta pretendia falar que o que vemos depende do nosso ângulo de visão, e essa afirmação deriva milhões de outras, como a de que nossa percepção daquilo que enxergamos é baseado na nossa cultura, ou que dependendo de nosso estado de espírito nossa visão será distorcida. Ou que todas as visões são distorcidas porque partem de um só ângulo de visão. Ufa. Podemos também propor que Michelangelo falava do poder da imagem em alterar a realidade, ele já explorou isso em Blow-up (1966).

E se a visão vinda de cima é que nos dá a sensação errônea, por ser um tipo de situação rara, de um olhar inquisitivo, amedrontador, de cima pra baixo, o que nesse caso pode ser uma mensagem figurativa para não sermos orgulhosos, vaidosos, não temos esse olhar superior, pois ele engana, equivoca nossa percepção das coisas.

E isso estamos falando apenas do primeiro frame, da primeira imagem, da primeira cena de Identificação de uma Mulher. Esse foi o último longa-metragem feito por Michelangelo Antonioni antes do derrame. Não é considerado uma grande película, mas possui, como todos os outros, uma seqüência memorável, é a cena da neblina em que o casal, o diretor de cinema Niccolò (Milian) e Mavi (Daniela Silverio), discutem dentro do carro e o motorista nada consegue enxergar a frente, uma perfeita alegoria de que ambos não se entendem. Mavi é o rosto que Niccolò procura para seu novo filme, mas ele foi avisado por um estranho que ela não era só dele.Essa é a obra maravilhosa, o legado soberbo que Michelangelo Antonioni nos deixou. Um diretor que nunca precisou, ou quis, ou aceitou dar explicação sobre sua obra. Um cineasta que recebeu vaias com a mesma intensidade com que depois viria arrancar aplausos. Um mestre que transformou filme em cinema, cinema em arte, e arte em obra-prima, o mestre das obras-primas!
Um regente que ensinou ao mundo que não é a procura que interessa, e sim a descoberta da viagem.

Comentários

Anônimo disse…
Depois de um texto desse, só me fica a vergonha por não conhecer, a fundo, a filmografia deste diretor.
A Bola Indígena disse…
http://febre7arte.blogspot.com/ grandes clássicos do cinema. Visitem e comentem