O Homem que não Estava Lá

The Man Who Wasn`t There – Joel e Ethan Coen – 2001 (DVD)

“Mais cedo ou mais tarde, todos precisam de um corte de cabelo”.

Teria sido o preto e branco? Ou o clima de filme antigo com um ator pouco conhecido? Algo de inexplicável aconteceu com O Homem que não Estava Lá. O melhor filme dos Irmãos Coen, que conta com um roteiro perfeito, uma qualidade de fotografia que ainda hoje, 8 anos depois, é copiada como novidade em clipes milionários, interpretações fantásticas de um elenco fabuloso, e uma direção consciente e visivelmente no seu ápice de criatividade e independência, teve uma recepção morna, não só comercialmente falando, já que o talento dos cineastas está longe das caixas registradoras, mas foi esquecido pelos principais prêmios (só ganhou melhor diretor em Cannes empatado com David Lynch), e também por cinéfilos, e apagados de referências por críticos. Um crime.

Ancorado por uma fotografia em preto e branco de Roger Deakins – na verdade foi filmado em colorido e descolorido num processo especial, a história do barbeiro traído Ed Crane (Billy Bob Thornton – excepcional) é quase uma ópera sem canções e lágrimas. Ed é o narrador da trama, mas nem por isso nos sentimos mais simpáticos a sua pessoa. O problema de sua personalidade é seu jeito quieto e calado de ser, o que acaba mostrando que ele é um sujeito frio e bastante calculista, porém suas intenções são as melhores possíveis, pode até não parecer, e a todo o momento somos advertidos disso.

Ed Crane é casado com a contadora da loja de departamento Nirdlinger's, Doris (Frances McDormand), que tem um caso extraconjugal com o dono da loja, o extrovertido Big Dave (James Gandolfini). Ed sabe do affair da esposa com o chefe, mas demonstra uma estranha passividade. Tudo muda com a chegada do homossexual Creighton Tolliver (Jon Polito) que procura um investidor para seu empreendimento de lavagem a seco. Ed resolve então chantagear anonimamente Big Dave para conseguir a grana e investir no negócio de lavanderias, como ele não confia muito em Tolliver, se fosse enganado, não perderia nada, e se desse certo poderia mudar de vida, já que trabalha como segundo barbeiro na loja herdada pelo irmão de Doris, Frank (Michael Badalucco).

Homenagem dos Coen aos grandes films noir, O Homem que não Estava Lá pode ser incluído como um dos grandes filmes do gênero, um neo-noir. Caracterizado em cima de A Sombra de uma Dúvida (1943) de Alfred Hitchcock e fotografado à Alphaville (1965) de Jean-Luc Godard e O Espião que veio do Frio (1965), baseado no livro de John Le Carré, a película é o que Kill Bill (2003) representou para o Kung Fu, muitas vezes superando o próprio gênero.Duas personagens de tramas secundárias foram “despejadas” no filme para contribuir ainda mais para a trama noir, a femme fatale de Scarlett Johansson, uma ninfeta pródiga no piano, por quem Ed passa a nutrir simpatia e conversar, e o excelente advogado (lembrando que excelente advogado = anti-ético advogado) Freddy Riedenschneider (Tony Shalhoub – formidável) com uma tese sensacional do alemão Heisenberg (no filme ele não consegue se lembrar do nome do germânico, fruto da genialidade dos Coen), de que quanto mais você olha menos vê.

Não gostaria de me estender demais nessa cena e cortar o barato dela. Mas é daquelas cenas em que pensamos: ah, agora quero ver o roteirista criar algo realmente genial, e quando já esperamos pelo pior, uma saída bem morna, ele nos vem com uma idéia de cair o queixo.

O Homem que não Estava Lá prova definitivamente que os Irmãos Coen são gênios modernos que devemos não só aplaudir, como nos sentirmos honrados em compartilhar com eles do mesmo período em que vivemos.

Comentários

Otavio Almeida disse…
Te respondi lá no blog. E a crítica de O GÂNGSTER está na barra lateral direita (na sessão "Filmes em Cartaz").

Depois volto aqui pra comentar O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ.

Abs!
Rogerio disse…
Depois de Fargo, esse é meu preferido do Coen.Depois dessa resenha, nem vou falar mais nada do filme,que é excelente mesmo. Aquele silencio do Ed tira qualquer cristão do sério.
Oque será que ele está pensando??Ele é bobo? Se faz de bobo? Quem é que sabe,afinal.
Me animei a pegar de novo esse filme, pra lembrar os pormenores da historia.
Belíssimo texto!
Alex Gonçalves disse…
Cassiano, estava pensando em pegar este filme nó próximo final de semana nas locadoras. Estou com muita curiosidade em vê-lo.
Museu do Cinema disse…
Ok Otávio.

Rogério, um conselho, compre esse filme, vc irá querer revê-lo outras vezes. Obrigado.

Alex, alugue correndo, esse eu garanto, se não gostar manda a conta!
Otavio Almeida disse…
Bom, eu preciso rever O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ. De repente, tenho uma percepção como a sua. Vi uma vez só e na época da estréia nos cinemas.

Como vc já sabe, não sou muito amigo dos filmes pós-FARGO.

Preciso rever.

Abs!
Otavio Almeida disse…
Mas lembro que o Billy Bob Thornton estava sensacional, assim como a fotografia do grande Roger Deakins.
Museu do Cinema disse…
Otávio, reveja sim o filme, te garanto que mudará de opinião. O Homem que não Estava Lá é obra-prima com certeza!
Anônimo disse…
Apesar de gostar muito de todos os outros, talvez essa seja meu preferido dos Coen, ao lado de "Fargo" claro. É tão bem fotografado e novamente tem a McDormand numa bela atuação (sem falar no Shalhoub, formidável mesmo). Pena que não foi muito reconhecido...
Anônimo disse…
E ainda tem gente (?) que diz que não gota de filmes em p&b... Sempre cito essa fotografia quando o assunto é p&b...

Abs!
Museu do Cinema disse…
Pois é Vinicius, mas acho que ainda se tornará cult.

Dudu, como diz o próprio Roger Deakins, o P&B ajuda a focar a trama, quando o colorido dispersa demais.
Ramon disse…
É um dos meus preferidos dos Coen. Gostei da fotografia e direção de arte também; embora com cenários simples, foi bem trabalhada.
Grande resenha, e bela escolha como o número destes cineastas.
Anônimo disse…
Excelente resenha. Considero, junto com O Grande Lebowski, dos melhores Cohen; não consigo entender como não ficou muito conhecido, nem aparece com muita frequência em lista dos melhores. Criminalmente subestimadao e só espero que o tempo faça justiça a essa obra prima.