Os Bons Companheiros

Goodfellas – Martin Scorsese – 1990 (DVD)

Como uma obra-prima é feita:

Domingo, 11 de maio de 1980, 06:55 hs
Duas batidas no fundo preto, Jump into the Fire de Harry Nilsson. Uma carreira de cocaína, dois revolveres ao lado, tudo numa sacola de papelão, Henry Hill (Ray Liotta) deixa sua residência, agitado pelo entorpecente consumido. No cadilac marrom parado em frente a garagem ele coloca a sacola na mala. Um helicóptero, a câmera parece gostar do clima e acompanha, rapidamente, Henry entrar no carro.

Seria um dia cheio.Tive de deixar as armas no Jimmy (Robert De Niro) para pôr-lhes alguns silenciadores que tínhamos. Fui pegar meu irmão no hospital e pegar droga para Louis para mandar de avião a clientes em Atlanta.

Henry é a cara do nervosismo e da pressa, e ainda estressado com o helicóptero que o segue pelo caminho. Na casa de Jimmy:

Vi logo que não serviam, que teria prejuízo. Comprei porque ele queria, e agora não queria mais.
– Para que servem? Nenhum se encaixa. Diz Jimmy, irritado. – O que há com você? Não vou pagar isso.

Eu não disse nada. Ele estava tão puto, que não disse tchau.

– As drogas estão destruindo sua capacidade de pensar. Me ouviu?

Volta para o cadilac marrom e sua mala, Henry dá um olhar irritado, a câmera agora é rápida e no ritmo.

8:05 am

Cortes rápidos, movimentação intensa de câmera, o cadilac marrom nas ruas. Henry acende um cigarro, começa a suar e ficar agitado.

Os caras de Pittsburgh sempre queriam armas. Como os veria à tarde, tinha certeza de que teria meu dinheiro de volta.
Henry continua a olhar pro céu de olho no helicóptero que ele suspeita que o segue desde a saída de casa. Desespero, os olhos se esbugalham, a boca grita em silêncio. Ele segura o volante e leva o corpo para trás apertando forte o freio uma vez, duas, com os dois pés, o carro da frente se aproxima, estão vários parados, de relance se vê também um carro da policia, finalmente ele aperta o freio de mão.

Oh, meu Deus.
8:45 am
No hospital, o médico queria me pôr de cama.

– Jesus Cristo, o que houve com você?
– Quase tive um acidente vindo para cá.

Disse-lhe que tinha passado a noite numa festa. Ele teve pena de mim, me receitou Valium e me mandou para casa. Deixaria meu irmão em casa e pegaria a Karen.

11:30 am

Estava fazendo o jantar. Tinha que começar a assar a carne e a vitela para o molho. Era o favorito do Michael. Eu fazia ziti com molho, pimentões assados, vagens com azeite e costeletas de vitela, que estavam cortadas certinhas, e eu ia fritar como tira-gosto. Fiquei em casa durante uma hora. Ia jantar cedo para poder me livrar das armas que o Jimmy não queria. E então pegar o pacote para Lois levar para Atlanta. Olhei pela janela e vi que o helicóptero tinha sumido.
– Michael, fique de olho no molho. Fique com seu tio Michael.

Então pedi que meu irmão olhasse o molho, e Karen e eu saímos. Karen também vê o helicóptero e Henry passa da duvida a confirmação. Voando como um louco no pacato bairro residencial, Henry vai até a casa da mãe de Karen e larga o pacote com as armas num cesto de lixo da garagem e resolvem fazer compras. Karen parece começar a ficar paranóica com o helicóptero também.

12:30 pm

Karen está paranóica, e para piorar, também parece entorpecida. Henry Hill telefona para alguém de um telefone publico, Essa pessoa diz que ele está paranóico.

1:30 pm

O casal sai do supermercado assustados olhando para cima, não vêem mais o helicóptero e voltam para casa da mãe de Karen pegar o pacote.

3:30 pm

O casal chega ao que parece ser um hotel, Henry bate numa porta. Os dois entram e um homem sai e olha para os dois lados, entrando novamente. Conferem a mercadoria.

– Não disse que você era paranóico? Não disse?

Agora sabemos para quem Henry ligou do telefone público. Karen precisa de uma dose. Um outro comparsa oferece o canudinho.

Meu plano era chegar em casa e preparar o pacote para Lois. E também precisava ir até Sandy para jogar quinino no pacote. E sabia que Sandy ia reclamar. Então tinha que terminar a comida e ajudar Lois a se arrumar. Henry recebe a ligação de Sandy irritada com a demora dele e liga para casa:

– Sou eu. Está pronta?
– Sim.
– Diga ao Michael que não deixe o molho queimar. Sabe o que fazer?
– Sim.
– Não diga “sim, sim” para mim. Isto é importante. Não ligue de casa. Saia. Entendeu? Ligue de um telefone público.
– Jesus! Você deve me achar burra. Sei o que fazer.
– Hei, sua ignorantizinha, só faça o serviço.
– Você é um chato!
– Hei, Faça o serviço!
– Ok!

Inacreditável. Todas as garotas da minha vida. E o que ela faz depois que desliga? Depois do que disse a ela? Depois dos “sim, sim”? Ela liga da casa. Se alguém ouvir, saberá de tudo. Que saiu um pacote da minha casa e o número de vôo, graças a ela.
6:30 pm
Assim que cheguei em casa comecei a cozinhar. Eu tinha algumas horas antes do vôo da Lois. Disse para meu irmão que olhasse o fogão. O dia todo, o coitado viu helicópteros e molho. Ai tinha que ir até Sandy, fazer a mistura e voltar para o molho.

8:30 pm
E a coisa degringola de vez, o suado e nervoso Henry, agora é o vermelho de olhos abugalhados de calafrios. A câmera agitada pega os closes dele. A música muda, agora é o rock’n roll da lenda Muddy Waters de Mannish Boy. Na casa de Sandy ele cheira uma carreira e ouve os gritos da namorada. Um carinho e ela se acalma só a ponto de pegar a mistura e sair, para desespero da garota.

10:45 pm

O jantar foi servido. Henry parece mais calmo, mas longe. Até ser surpreendido pela infantil Lois:

– Preciso ir para casa.
– Como assim? Precisamos grudar isso (o pacote) na sua perna e ir logo.
– Preciso ir para casa e pegar meu chapéu.
– Esqueça o chapéu. Está me gozando? Preciso ir até Rockaway porque quer o chapéu!?
– Preciso dele. É o meu chapéu da sorte. Nunca vôo sem ele.
– Lois, você entendeu em que estamos envolvidos?
– Não me interessa. Preciso do chapéu. Não vôo sem ele.

Henry se rende. O que fazer se ela queria ir buscar o chapéu? Escondi o pacote na cozinha e fui levá-la em casa. Os tambores tocam como numa celebração antiga. Henry e Lois entram no cadilac marrom. Aos fundos, se formos detalhistas, vemos luzes piscando. Henry dá a partida e encaixa a ré, ao virar a cabeça vê vários carros de polícia parados em todas as direções. Uma arma é engatilhada em sua cabeça:

– Polícia! Não se mexa, filho da puta.

É! Henry definitivamente não estava paranóico.

Comentários

Marcus Vinícius disse…
Bah, muito bom! Apesar dos monstruosos Taxi Driver, Touro Indomável, The Last Waltz e cia. terem sido criados antes, aqui começa a parte mais massa do Scorsese, pelo menos pra mim. Eu já perdi a conta de quantas vezes eu assisti esse e Cassino.

Ah, desculpa demorar pra responder sobre o No Direction Home, fiquei meio sem tempo pra internet semana passada. Pois bem, eu posso escrever sem problema nenhum, você que decide. Qualquer coisa manda um email pra donmarcusfreitas@yahoo.com.br.

Abraços e té mais!
Museu do Cinema disse…
Então tá combinado Marcus! Te mando o e-mail.
Ramon disse…
Também sou fã de filme. Fui obrigado a adquiri-lo. Toda vez que a tv não colabora com meu entretinmento sou obrigado a rodá-lo.

Grande post!
Kamila disse…
Cassiano, grande texto, esse que você fez sobre "Os Bons Companheiros". Seu entusiasmo com o filme é claro e esta é uma das obras que eu mais gosto do Scorsese, junto de "Taxi Driver" e "Cassino".
Museu do Cinema disse…
Valeu Ramon, tb sou um feliz proprietário de um DVD de Os Bons Companheiros.

É Kamila, sou sim grande fã dessa obra-prima, sem duvida um dos melhores filmes que já vi na vida, junto a um seleto time. Obrigado.
Otavio Almeida disse…
Vc tem razão, Cassiano! OS BONS COMPANHEIROS é uma obra-prima! E é isso.

Abs!
Anônimo disse…
Que belo post! Tinha visto na outra semana, mas s� comento agora. "Os Bons Companheiros" � uma obra-prima, um dos cinco melhores do Scorsese (ao lado de "Touro Indom�vel", "Taxi Driver", "Os Infiltrados" e "Depois de Horas").